Samstag, 2. Mai 2009

A ALEMANHA NAZISTA E A IGREJA

O CONTEXTO

As Décadas de 1930 e 1940 no Brasil

No dia 25 de janeiro de 1928 GetúlioDornelles Vargas assumiu a presidência do RGS, unificou a política do Estado, preparando os gaúchos de chegar à presidência da República. Estorou a Revolução: „Rio Grande de pé, pelo Brasil!"

Logo depois - 3 de outubro de 1930 - na estação ferroviária de Porto Alegre, iniciando a subida para o Rio, Vargas despediu-se dos gaúchos com ua frase: "Desta viajada, ou se volta com honra ou não se volta mais."

Vargas estava no poder desde 1930; um golpe como tantos outros, identificado como Revolução. No ano de 1926, aos 43 anos, deputado inteiramente desconhecido, Getúlio foi nomeado ministro da Fazenda pelo presidente Washington Luiz. Surpresa total. Em 1928, Washington Luiz fazia de Vargas presidente do Rio Grande do Sul. Em 1930, foi empossado como chefe do governo provisório. (24. 06. 2004 TI)

A segunda Revolução, em 1935, um fracasso total. Pretendia mudar o regime político e a representatividade popular ou direta. O objetivo econômico: a produção e distribuição da riqueza de forma inteiramente diferente: estadizada. Essa Revolução chefiada por Carlo Prestes - o Cavalheiro da Esperança - foi a grande motivação para Getulio Vargas criar o cruel e selvagem Estado Novo de 1937.

A ditadura de Vargas criou o famigerado DIP (Departamento de Imprensa e Propaganda). Detinha três prerrogativas principais:

1) censurar jornais, revistas e emissoras de rádio (a televisão não existia),
2) promover o governo e
3) importar papel de imprensa, com monopólio assegurado por decreto-lei.

Se um jornal conseguisse burlar a censura e transmitir críticas ou denúncias, mesmo nas entrelinhas, seu proprietário era chamado ao gabinete do diretor do DIP.

Elegante, Lourival Fontes oferecia café e água gelada, sem tocar no assunto. Participava apenas o naufrágio do navio que trazia as bobinas para a empresa, condenada a ficar um mês sem papel. (Não há jornal capaz de agüentar um dia sem sua matéria-prima!)

O proprietário prometia punição aos responsáveis pela ofensa ao Estado Novo. Depois de vê-lo sofrer por muitos minutos, Lourival Fontes dizia existir uma solução: Podar fora da redação todos os comunistas ... (Carlos Chagas, TI 26. 01. 2006)

A Segunda República, (de 1930 a 1945) faz parte daquele surrealismo Brasileiro: ditadura-democrática ou democracia-ditatorial. (Hélio Fernandes, TI. 2.01.2006)

Nesta mesma época na Italia tomou posse o facismo do Duce Benito Mussolini,
na Espanha apareceu o Generalíssimo Francisco Franco,
e na Alemanha surgiu o nazismo do Führer Adolf Hitler.

Começou „das Zeitalter des Führerprinzips" - a época em que reinava o PRINCÍPIO DO „LÍDER POLÍTICO, experiência não apenas amarga para os povos na velha Europa, mas infernal para todo mundo, da Rússia até o Japão, da Etiópia até Tunesia, dos Estados Unidos até o Brasil, cujos soldados lutaram na Itália - na famosa batalha de Monte Casino - contra o exército alemão.

Era isso o contexto que re refleta também na história eclestástica moderna, antes de tudo na história da Igreja Evangélica da Alemanha no período das origens, do triunfo e da derrota do Nazismo.


PARA A GENTE SE ENTROSAR

Possuo um panfleto impresso na década de 30 do século XX, tempo de minha infância; publicação de uma facção chauvinista da Igreja Protestante, tratando do relatório sobre a Conferência Ecumênica em Estocolmo, de 1927:

"É com grande orgulho que certos líderes eclesiásticos contam aos membros de suas comunidades como, na ocasião da Conferência, sentiram-se muito felizes porque ficaram sentados junto a uma delegação chinesa ou ao lado de um negro." Em seguida o autor continua: "Tais líderes eclesiásticos não percebem que nós ficamos horrorizados ao sermos informados de que em Estocolmo justamente a um negro foi permitido falar do púlpito do qual na nossa gloriosa história o grande Schleiermacher se dirigia ao auditório."

Num formulário de aplicação para tornar-se membro da Associação para uma Igreja de CaráterAlemã o solicitante foi obrigado a declarar: "Juro que sou livre de sangue judaico como também de sangue misturado com gente de cor, e darei importância absoluta a todos os itens que se referem à cultura alemã, e sempre darei maior prioridade a estes itens do que a assuntos ligados com a Igreja."

Trabalho apresentado nas instituições. Seminário Batista Rio de Janeiro (18.8.03). Seminário Metodista Rio de Janeiro (19.8.03).

O Partido Nazista declarou como seu objetivo principal a cruzada contra o boichevismo, defefldendo - sem vínculo com uma determinada Igreja - um assim chamado "cristianismo positivo" (Os 25 itens do Programa do NSDAP, § 24). Nisso a maioria do povo, inclusive os-protestantes com seus pastores, os suportaram.

O "Movimento Cristãos Alemães" (Kirchenbewegung Deutsche Christen) exigiu: A cruz deve ser substituída pelo símbolo nosso, a suástica!

Disseram: "Na pessoa do Führer (líder) reconhecemos o Enviado por Deus (Messias), que põe a Alemanha perante o Senhor da História, e chama-nos do culto dos fariseus e levitas ao sagrado serviço do samaritano" (Leffler cf. Hans Buchheim, Glaubenskrise im Dritten Reich, 1953, p. 51).

E ainda: "Esperamos que a nossa Igreja como Igreja do Povo se liber-te de tudo que não seja de caráter alemão no culto e no credo, antes de tudo do Antigo Testamento e sua moral recompensadora (Lohnmoral)."

Era assim que se pensava em grande parte da Igreja Protestante durante a minha infância.


A ALEMANHA NAZISTA

O nazismo formou-se nos anos de pós-guerra (1919 - 1933), e tem uma pré-história:

a) o Tratado de Paz (Friedensvertrag) de Versalhes...

Muito ao contrário do trato aplicado ao povo alemão nas zonas ocupadas pelos americanos, ingleses e franceses, em que logo depois da derrota do Terceiro Reich um plano de apoio econômico, o Plano Marshall, contribuiu para estabilizar a economia e com isso também a jovem democracia, depois da 1a Guerra Mundial o "Tratado de Paz" de Versalhes evitou a recuperação econômica do país e prejudicou também a evolução de um clima democrático na Alemanha. Houve, inclusive, a crise econômica mundial, uma inflação louca e uma fase de desemprego para se desesperar.

b) a falta de experiência democrática

As igrejas protestantes naquela época eram tanto "da direita como hoje são "da esquerda". Uma das razões do sucesso do nazismo foi a recusa da República pelas igrejas, pela indústria, pela classe média, que em última análise seguiram uma orientação monarquista (Sebastian Haffner, Von Bismarck zu Hitler, 1987, p. 208). E a juventude de orientação neoconservadora, sonhava com o "Terceiro Reino" - Drittes Reich" - de um Império Alemão ressuscitado.

A República de Weimar (1919-1933) foi uma democracia não desejada, "uma democracia sem democratas".

Permitem-me relembrar um aspecto da minha própria infância e juventude:

A creche, o jardim, a igreja, a escola, tudo isso na minha infância e juventude serviu como veículo da ideologia nazista. Fomos maltratados até o limite de nossa capacidade de absorver tudo isso, com coisas germânicas, obediência prussiano-militar, cujo valor máximo era a honra, a fidelidade, a obediência, a luta e a vitória. Nas aulas de Alemão, de História e de Geografia encheram-nos com a ideologia que emerge do slogan "um povo, um reino, um líder" e nos ensinaram devotamento à pátria, disposição para sacrificar-nos, camaradagem, solidariedade para com o nosso povo germânico, fidelidade ao credo da excelência de sangue e terra da pátria ("Blut und Boden"), e tudo com o mesmo fanatismo como o conhecemos hoje em dia do exemplo dos mullahs e aiatolás do mundo oriental. Escola, igreja, casa e "Hitlerjugend" (algo equivalente aos "Jovens Pioneiros" dos Stalinistas) exageraram para criar entre nós a mentalidade guerreira, a técnica da luta para os futuros defensores da pátria amada. Tampouco faltaram os jornais, livros e cadernos que nos deram exemplos impressionantes do ódio contra todos os nossos inimigos, antes de tudo os judeus.

A gente se criou com canções marciais nos lábios:

Blutig rot sind unsre Fahnen

Nossas bandeiras, vermelhas como o sangue
nos abrem o caminho que leva a liberdade.
As brigadas da Juventude de Hitler
derrotam as barricadas soviéticas.
Camarada, aperta minha mão,
nossa escravidão chegou ao fim.
Judeus choramingam,
cabeças rolam ao chão,
a Juventude de Hitler avança,
marxistas na parede!
Assim, os socialistas nacionais
lutam pela pátria.


Der Gott, der Eísen wachsen líess:

O Deus que fez crescer o ferro
não desejou possuir escravos.
Por isso ele colocou sabre, espada e lança
na mão direita do homem.
Por isso nos deu a coragem feroz
e a raiva da livre palavra,
a fim de que na batalha resistissemos
sacrificando nosso sangue, até a morte.

Morgenrot, Morgenrot

Aurora, aurora,
dá seu brilho até a morte iminente.
Logo vai soprar a trompete,
então vou ter que sacrificar minha vida,
eu e alguns dos camaradas.

Ficamos acostumados à morte pela pátria muito cedo já!

Quando, em julho de 1944, faltavam apenas nove meses até a derrota da Alemanha nazista pelos aliados, fui confirmado na igreja luterana, recebia uma certidão de confirmação ilustrada com um quadro de Arthur Kampf, com o título: Bênção dos Voluntários da Pátria. Nós, rapazes de 14 anos, a última reserva para a defesa da pátria, recebemos a bênção da Igreja para vencer ou morrer!

Devia completar o quadro sociopsicológico da realidade alemã nos anos de Hitler por mais um aspecto:

Parece-me que - entre outros fatores históricos e psicológicos que marcaram o comportamento do povo alemão - havia, antes de tudo, dois fatores determinantes que mais pesaram na constelação política, social e econômica após a 1a Guerra Mundial: a experiência imperial e a doutrina da superioridade da raça germânica:

• A raça germânica, em primeiro lugar o povo alemão, é superior às demais raças; por isso a Alemanha deve assumir a liderança entre todas as nações do mundo.

• A pior raça e o maior inimigo do povo alemão é o povo judeu.

• Todos os membros do povo alemão - não importa onde estejam - devem viver no país da Grã-Alemanha ("Grossdeutsches Reich") e exercer a hegemonia sobre o resto da humanidade.
• Para conseguir isso, deve-se substituir a democracia por um Estado autoritário com um forte líder carismático que dispõe de poder ilimitado: "Um povo, um império, um líder!"

Quando Hitler, em 1921 assumiu a direção do Partido Nazista (NSDAP), ele formou organizações paramilitares como a SA e a SS, instrumentos de perseguição e opressão dos adversários políticos, antes de tudo os comunistas e social-democratas.

No mês de setembro de 1930 o número de deputados nazistas no Parlamento aumentou de 12 para 107. Passaram-se apenas mais dois anos, e a bancada dos camisas-marrons tinham conseguido tornar-se o partido da maioria, com 230 deputados. Poderíamos dizer que os nazistas deviam esta vitória esmagadora à Igreja cuja orientaçãõ, majoritariamente, era em favor da direita. Foi um pastor evangélico que disse em 1931: „Reconhecemos no nacional-socialismo o movimento de libertação da Alemanha. Somos obrigados a aderir a este movimento, e seja este liderado até em nome do próprio diabo!"

Nas eleições de 1933 Hitler recebeu 51% dos votos e foi indicado Chanceler. Depois do incêndio do Parlamento (Reichstag), em 27.2.1933, o Parlamento com uma maioria nazista e simpatizanie concedeu-lhe um prazo de 5 anos para governar à base de decretos de emergência (Notverordnung zum Schutz des Reiches) sem convocar o Parlamento, período suficiente para montar uma das mais severas ditaduras do mundo, com a ditadura do único partido (NSDAP), com um SNI sem precedentes, com campos de concentração (KZ) que se tornaram máquinas de assassínio.

O resultado dos 12 anos de regime nazista foi uma hecatombe de pelo menos 50 milhões de mortos em todo o mundo, inclusive 6 milhões de judeus assassinados!


O COMPORTAMENTO DE DISTINTOS SETORES DA IGREJA

Vis-à-vis de um sistema brutalmente ditatorial, a posição dos cristãos - católicos e evangélicos - era bastante ambivalente. É por isso que a gente deve cuidar de desenhar um quadro estritamente preto e branco. Criou-se uma "Lenda em torno da Resistência da Igreja contra um Estado Totalitário" que diz: Houve na Igreja desde o início do Nazismo dois grupos bem definidos: de um lado havia aqueles que logo apoiaram a ideologia nazista, antes de tudo os membros do "Movimento Cristãos Alemães" (DC). No lado oposto havia um pequeno grupo de fiéis, firmes na crença com base no evangelho, decididamente contrários à ideologia de Hitler e totalmente contra a nomeação do capelão militar Ludwig Müller para a função de um "Reichsbischof - bispo do reino , ou seja, um bispo primário e autoritário de uma Igreja Germânica do Império Nazista.

Conforme esta "Lenda em torno da Resistência da Igreja contra um Estado Totalitário" aquele pequeno grupo de fiéis contrários à ideologia de Hitler congregou-se desde o início ao redor do E Martin Niemdller e do professor Karl Barth, fundadores da assim chamada "Igreja Confessante" (BK).

Para percebermos o background político que a partir de 1933 levou ao movimento evangélico de resistência ao nazismo, é importante lembrar em primeiro lugar do fato de que a grande maioria dos pastores provinha de um ambiente de um nacionalismo quase sagrado. Disse Karl Kupisch: "A derrota de 1918 tornou-se o ponto de partida de um novo nacionalismo, que se refletiu também no campo da igreja" (Zwischen Idealismus und Massendemokratie,1959). Os pastores, em sua grande maioria, consideravam-se patriotas e assim se comportaram. Eles haviam se criado na monarquia prussiana, por isso não conseguiram conformar-se com a república que encerrou o Império do "Kaiser" Wilhelm II, que fugiu para a Holanda. Sobreviveu um nacionalismo tremendo. É por isso que o tom de um profundo patriotismo no discurso de Hitler tanto estimulou a simpatia do povo junto ao fenômeno do Nazismo. No início do "Terceiro Reich" até Martin Niemiller, um dos fundadores da "Igreja Confessante" (BK) deixou-se atrair pelo nacionalismo de Hitler. E não apenas ele!

Um exemplo típico para o clima político nos anos do advento de Hitler foi o assassinato do ministro de Assuntos Exteriores Rathenau, em 1922. Martin Rade, editor da revista "Christliche Welt" órgão do Liberalismo teológico — no necrológio em nome da Universidade de Marburg, mencionou duas razões que obviamente deveriam ter levado ao crime fatal: 1) Rathenau era judeu; 2) como ministro ele correspondia de maneira positiva com o resto do mundo. Foi isso que o liquidou! O orador liberal rejeitou o antisemitismo nutrido pelos inimigos da república, constatando que este racismo bobo jamais correspondia com o caráter do povo dos poetas e filósofos, como no exterior muitas vezes se havia caracterizado os alemães.

Não pode haver dúvida, porém, de que foi um nacionalismo quase divinizado que definitivamente preparou a ascensão do nazismo no meio da Igreja evangélica.

Havia uma herança ideológica, que fortemente marcou a "alma" do povo: há muito tempo, pelo menos há um século, alguns românticos alimentaram o latente sonho de uma religião germanizante para todos os alemães. Entre tais sonhadores estava o orientalista Paul de Lagarde, nascido em 1827. Diante de uma empírica desunião ou fragmentação religiosa da população, ele imaginava uma religião especffica da própria raça - eine "arteigene" Religion - uma religião realmente adequada ao povo alemão. Nesse aspecto ele não pensava tanto na raça, como se poderia suspeitar; ele foi anti-semita como muitos intelectuais no Ocidente, desde a destruição de Jerusalém, mas foi justamente ele que observou: "A raça tem um papel apenas em relação aos cavalos, ao gado e às ovelhas!"

Sob a forte influência do autor inglês Houston Stewart Chamberlain, que vivia e publicava na Alemanha, fundou-se em 1922 a "União em prol de uma Igreja Alemã". Um dos fundadores introduziu em 1913 a expressão "Deutschchristentum" - Cristianismo Alemão. Em 1917 foi editado um livrinho sob o título: "Cristianismo Alemão conforme puros princípios evangélicos" - "Deutschchristentum auf rein evangelischer Grundlage".

Mais tarde esta "União em prol de uma Igreja Alemã" desembocou no "Movimento Cristãos Alemães"- "Glaubensbewegung Deutsche Christen" (DC). Quer dizer a ideologia acerca de um "Cristianismo Alemão" existia há muito tempo antes do advento do nazismo; existia em círculos sectários da Igreja evangélica, antes de tudo entre pessoas de pouca cultura ou educação deficiente.

No ano de 1931 encontramos na revista "Christlichen Welt" uma interessante análise do nazismo, de autoria de Hans E. Friedrich:

„As pré-condições do nacional-socialismo podem ser reduzidas a dois termos: Primeira guerra mundial e crise do capitalismo." Na época havia sob o ponto de vista sociológico os seguintes grupos de eleitores: 1) Oficiais reformados do exército; 2) uma juventude predisposta para aderir a uma ideologia de obstrução; 3) uma pequena burguesia desamparada; 4) um segmento do proletariado simpatizando com o ambiente da pequena burguesia; 5) muita gente desclassificada devido à catastrófica situação econômica do pais; 6) gente moralmente indignada e irritada; e 7) milhares de pessoas carentes da capacidade de desenvolver critérios políticos, apenas cheias de saudade dos gloriosos tempos do período anteguerra. O nazismo como tal consiste conforme Hans E. Friedrich, de quatro características essenciais, a saber: 1) agitação grosseira; 2) uma ideologia nitidamente nacionalista; 3) o anti-semitismo, e 4) a tática latente do partido.

Martin Rade constata uma idéia essencial no pensamento de Hitler: o dogma do anti-semitismo. Quando Hitler falou do marxismo, este termo era para ele apenas um siogan, sinônimo de pacifismo, judaísmo e traição da pátria. Disse Rade: "Se na história jamais foi promulgado e aceito um dogma sem qualquer critica, então era aquele do anti-semitismo."

Em seu livro "Minha Luta" Hitler revela claramente seus motivos fundamentais, quando diz que para a salvação do povo alemão e da pátria, e até para a salvação do mundo inteiro, pode figurar apenas um objetivo, um dever sagrado, que visa à exterminaç&) dos judeus e dos criminosos, que após a guerra destruíram o Reino da Alemanha (Rade).

Foi esta uma descrição do background ideológico-político-religioso em termos gerais, a fim de que pudéssemos entender o desenvolvimento que levou ao movimento eclesiástico de resistência ao Estado absoluto.

No início do Terceiro Reich existia uma linha divisória que dividia o povo e inclusive os membros da Igreja em duas partes: aqueles que se tornaram excitados pela êxtase sugestiva gerada por este orador carismático que era Hitler e logo o consideraram o salvador da pátria oprimida pelos vitoriosos na guerra de 1914-1918: e, no outro lado havia aqueles que desde logo desconfiaram do ambiente messiânico criado pelos nazistas, e que por isso tornaram-se imunizados contra o nacional-socialismo.

Poder-se-ia afirmar: os principais adversários do nazismo eram antes de tudo pessoas cultas, que devido a conceitos e princípios políticos, filosóficos e também ético-teológicos rejeitaram qualquer colaboração com o regime de Hitler. Cito aqui apenas dois nomes conhecidos que representam esta espécie de adversários "natos": Karl Barth e Paul Tillich, representantes da esquerda socialista entre os teólogos da época.

No ano de 1933 também Dietrich Bonhoeffer era conhecido entre seus amigos como adversário do nazismo. Entre os luteranos foi Hanns Lilje, que na Igreja se destacou como adversário das idéias nazistas. Ele também foi preso pela Gestapo, o SNI da ditadura nazista.

A IGREJA CONFESSANTE

Hoje todo mundo sabe: Hitler tolerava a religião por motivos meramente oportunistas. Assim ele resolvia utilizar a Igreja Evangélica como um instrumento de sua política, antes de tudo de sua política cultural, de sua politica interna, que lida com os assuntos interiores, e Hitler queria utilizar a Igreja Evangélica especialmente como instrumento de sua política racizfl. O professor liberal Weinel observou com toda razão que os nazistas pretendiam fazer da Igreja apenas um departamento do Ministério de Propaganda.

Os nazistas perceberam logo que a Igreja Evangélica poderia servir como um instrumento de propaganda de suas idéias. Foi por isso que o partido tanto se empenhou na organização de um "Movimento Cristãos Alemães" (DE), liderado por P. Joachim Hossenfelder, de Berlim, que chamou9 "Movimento Cristãos Alemães" de "SA de Cristo". Quando se cogitava introduzir a expressão "nacional-socialistas evangélicos" para esta "filial do fascismo", o "Führer" Adolf Hitler não concordou, alegando: "Uma igreja alemã, um cristianismo alemão é bobagem. Ou a gente é cristão ou alemão. Ambas as coisas não é possível." Hitler apenas utilizou a Igreja por motivos táticos, e só por um periodo limitado, como imaginava. Depois da guerra ele planejava liquidar todas as igrejas, substituindo-as por um culto germânico.

Nos estatutos do "Movimento Cristãos Alemães" constava: "Apoiamos uma fé em Cristo que seja apropriada ao caráter especifico de nosso povo. Consideramos a raça, a nacionalidade e a nação preciosos presentes e manifestações da ordem do Criador. Cumpre-nos preservar o que recebemos como a lei de Deus. Por isso temos que combater a miscigenação das raças. Também solicitamos que o nosso povo seja protegido da proliferação de pessoas ineptas e inferiores. Casamentos entre alemães e judeus devem ser proibidos."

Quando Hitler assumiu o poder em 1933 tornou-se óbvia a tentativa da incorporação das 28 igrejas territoriais evangélicas (Landeskirchen) ao sistema ideológico nazista. O governo nazista planejava a construção de uma só igreja, uma Igreja alemã nazista. Esta manobra não deu certo, pois ficou apenas uma minoria de pastores e comunidades que se incorporaram à "Reichskirche" - Igreja do Reino que pretendia ser a "Igreja germânico-ariana do Império Alemão". Na ocasião do Sínodo Nacional da Igreja Evangélica Alemã, dia 27/9/1933, na cidade de Wittenberg, o capelão do exército Ludwig Müller elegeu-se Bispo do Reino (Reichsbischof. Nas eleições periódicas de presbíteros muitos nazistas se elegeram, subvertendo deste modo as estruturas das comunidades e da administração eclesiástica. A "Igreja Confessante" (BK), porém, resistiu às pressões do governo e mostrou-se firme na defesa da fé e dos tradicionais valores éticos.

Quando por meio do "Arierparagraph" (lei ariana) o governo exigiu o afastamento de pastores de origem judaica ou casados com mulheres não-arianas ou semi-arianas, o pastor Martin Niemöller (ex-comandante de um navio submarino) que nos anos anteriores tinha até apoiado o nazismo, tornou-se o inspirador e porta-voz da Igreja Confessante, porém foi preso em 1938 até que os americanos o libertaram em 1945 (Golo Mann, Deutsche Geschichte 1919 -1945, 1961, p. 115). A Igreja Unida da Prússia (APU) aceitou a infame "lei ariana" por 132 contra 48 votos.

A posição dos liberais em redor de Martin Rade quanto ao mito nazista acerca da importância quase-religiosa da pureza da sangue foi muito clara: „Quem acredita o própria sangue como a mais importante fonte da revelação, a priori não pode ser cristão."

Por pressões internacionais, no dia 25 de janeiro de 1934 Hitler recebeu os representantes da Igreja Evangélica liderados pelo "bispo fantoche", o "Reichsbischof" Müller, e o porta-voz da oposição dentro da Igreja, o pastor Niemõller. Na ocasião Gõring leu o teor de uma conversa telefônica de Niemöller gravada pela „Gestapo" (SNI) na mesma manhã. Aí a posição de Niemöller tornou-se quase nula (Barbara Beuys, Vergesst uns nicht, 1990, p.225).

O resultado do encontro com o "Führer" foi este:

Já dois dias depois a maioria da oposição protestante assinou um documento em favor de uma Igreja Nacional: "Sob a impressão do momento histórico do encontro com o Chanceler do Reino os líderes da Igreja Evangélica Alemã afirmam com unanimidade sua fidelidade ao Terceiro Reich e seu líder. Eles condenam nitidamente todas as maquinações de critica contra o Estado, o povo e o Movimento da Ressurreição Nacional. Os lideres eclesiásticos unanimemente apóiam o Reichsbischof, decididos a efetivar as disposições e os decretos por ele providenciados."

Logo cerca de 1.500 pastores quitaram o Pfarrernotbund (Associação de Emergência para Pastores) - que foi o embrião da Igreja Confessante -, solidarizando-se assim com seus chefes que apoiaram a política da Igreja Nacional suportada pelo governo nazista, pensando que desta maneira ajudariam a manter a paz e a unidade da Igreja Protestante.

Niemólier, que não assinara a carta de compromisso, declarou numa mensagem dirigida ao bispo da Igreja de Hamburgo: "Estamos perplexos e profundamente comovidos, pois registramos uma completa renúncia da verdade do evangelho e um abandono da Igreja." Imediatamente depois Niemi$ller sofreu uma série de represálias: policiais invadiram sua casa paroquial e levaram os papéis do "Pfarrernotbund" (Associação de Emergência para Pastores); tentou-se (em vão) seu afastamento do pastorado, etc.

O governo, porém, lançou uma comunicação afirmando que os lideres da Igreja Evangélica Alemã liderada pelo Reichsbischof Ludwig Muiler, em recepção solene no gabinete do Chanceler Adolf Hitler, expressaram seu pleno apoio ao "Führer".

Foi este o momento em que de fato surgiu a "Igreja Confessante".


A LUTA DA IGREJA CONTRA UM ESTADO ABSOLUTO

O evento mais marcante na história da Igreja Confessante foi a "Declaração de Barmen", elaborada por Karl Barth e ratificada pelos 139 representantes de 18 igrejas regionais luteranas, reformadas e "unidas" no Sínodo que se reuniu em maio de 1934 na cidade de Barmen.

A mensagem do encontro foi:

O lugar da cruz suástica não deve ser ao lado da cruz de Cristo, nem deve ser idêntica com a cruz ou até substituindo-a, mas somente debaixo da cruz de Cristo.

O Sínodo expressa-se incondicionalmente pelo mantimento da fé herdada sem qualquer acréscimo de elementos germano-nazistas. Ele confessa que a unidade das igrejas evangélicas na Alemanha pode resultar exclusiva-mente da fé na palavra de Deus.

Tudo isso foi explicado em seis parágrafos, que mais ou menos declaram:

1. Confirma-se que Cristo seja a única fonte de revelação; por isso rejeita-se a falsa doutrina que admite outros acontecimentos ou poderes como fundamento da pregação.

2. Confirma-se que a oferta e exigência de Cristo não se refere apenas à vida religiosa nos cultos da igreja, mas à vida inteira do cristão; por isso rejeita-se a falsa doutrina que admite que fora disso haja ainda outros setores aos quais o cristão deva obedecer e servir.

3. Confirma-se que a Igreja é a congregação de irmãos na qual Cristo pelo verbo e pelos sacramentos é presente; por isso rejeita-se a falsa doutrina que admite que seja permitida à Igreja cada vez assimilar a sua mensagem e a sua ordem às respectivas ideologias predominantes em determinadas épocas.

4. Confirma-se que os dirigentes da Igreja - presbíteros, pastores e bispos - não são donos, mas servos da comunidade; por isso rejeita-se a falsa doutrina que defende na Igreja um sistema de liderança autoritária semelhante ao sistema de liderança no Estado absoluto.

5. Confirma-se e reconhece-se que devido à ordem estabelecida por Deus, seja a incumbência do Estado zelar pela ordem, justiça e paz entre o povo; rejeita-se, porém, a falsa doutrina que admite que o Estado deveria tornar-se a única e totalitária instância ideológica para cada um de seus cidadãos.

6. Confirma-se que a Igreja, em plena liberdade, por ordem e em nome do Senhor, deve divulgar a palavra de Deus e administrar os sacramentos; por isso rejeita-se a falsa doutrina que exige a subordinação da Igreja aos interesses do Estado.

Nos anos seguintes de 1935 a 1937 - a repressão à Igreja Confessante por parte do Estado aumentou.

Formou-se também a resistência. Os pastores fiéis à Igreja Confessante exigiram: Nossa posição junto ao "Reichsbischof deve ser:

„Devemos obedecer a Deus e nõo aos homens" (Act. 5, 29) e "Dêem ao Imperador o que é do Imperador, e a Deus o que é de Deus" (Mt. 22, 21).

No dia da instalação solene do bispo Müller, em Berlim, a cidade mostrou-se vermelha devido a tantas bandeiras com o símbolo da suástica. Acontece, porém, que nenhum dos bispos e líderes da Igreja dos tempos antes de Hitler estava presente no culto de ordenação do novo bispo. Dominaram as bandeiras nazistas e os destacamentos da SA em camisas de cor marrom.

No resto do país, porém, as igrejas estavam superlotadas nesse horário. As comunidades oraram por um cristianismo verdadeiro, então ameaçado por falsas doutrinas (Stewart W. Herman, Eure Seelen wolien wir, Kirche im Untergrund, München, 1951).



O PAPEL TEOLÓGICO DE DIETRICH BONHOEFFER

a) Uma exposição sumária da vida de Bonhoeffer

* 4.2.1906 (Breslau) + 8.2.1945 (Flossenbürg)

Era filho de uma família de classe média alta: o pai: professor e psiquiatra, a mãe: professora (8 filhos).

1923, Universidades de Tübingen e Berlin, onde estuda Teologia;

1924, uma estada em Roma (Páscoa: bênção papal aurbi et orbi")

Contatos ecumênicos, relação com Karl Barth (visão crítica do comportamento da Igreja!).

1927, com 21 anos, Doutorado ("Sanctorum Communio )

1928, Pastor assistente na Comunidade Alemã de Barcelona.

1930, docente na Universidade de Berlim (com 24 anos).

l. ano Union Theological Seminary N. Y. / excursão para Cuba.

No convívio com negros e latinos torna-se anti-racista e pacifista.

1.2.1933, palestra radiofônica criticando o movimento nazista (desligada!)

Bonhoeffer, não encontrando mais o ambiente desejado na Igreja de Berlim, assume o pastorado na Comunidade alemã em Hill, Inglaterra (17.10.1933).

1935, Bonhoeffer volta da Inglaterra para a Alemanha e assume a direção do Seminário (ilegal) de pregadores da Igreja Confessante em Finkenwalde.

1936, O Seminário faz uma viagem de estudos à Suécia.

1937, a Gestapo (SNI) fecha o Seminário ilegal; Bonhoeffer visita Nova York.

9.11.1938: „Kristallnacht" quando os nazistas incendiaram centenas de sinagogas no país e deportaram 35 mil judeus para campos de concentração.

Devo aqui incluir uma importante observação:

Cresci durante os anos da ditadura nazista, percebendo as poucas coisas que uma criança ou um adolescente enxerga dos feitos políticos que acontecem ao redor dela. Mais tarde, quando estudei a história eclesiástica contemporânea, tomei conhecimento do fato de que Igrejas regionais inteiras ("Landeskirchen") covardemente se subjugaram à ideologia nazista. A prova mais penosa neste contexto é o fato de que os consistórios destas Igrejas sequer moveram um dedo para defender seus próprios membros, irmãos não-arianos, fiéis protestantes, mas agora chamados de "judeus", contra as agressões e crimes do governo nazista. As diretorias das Igrejas regionais até ajudaram ativamente na "arianização" ou "de-judificação" da sociedade alemã, por exemplo pela deposição de pastores de descendência israelita, como ocorreu na Igreja de Westfália com o pastor da cidade de Bochum, Dr. Hans Ehrenfeld, cuja filha está casada com meu colega e amigo Dr. John, Principal do United Theeological Coilege in Bangalore, Índia. Os dois me visitaram um dia no campus da Obra Ecumênica de Estudos em Bochum e me contaram muitos detalhes das ocorrências.

Hans Ehrenfeld nasceu em 1883 em Hamburg, filho de pais judeus. Ele fez o Doutorado na área das Ciências Políticas e Econômicas, como também de Filosofia e Psicologia e tornou-se professor de Filosofia na Universidade de Heidelberg, dedicando-se preferencialmente a Hegel e Kant. Durante a 1 Guerra Mundial, fez seu serviço militar no exército alemão. Com 26 anos, ainda antes da guerra, foi batizado. Após a guerra estudou Teologia, foi ordenado pastor em 1925, e instalado na comunidade de Bochum. Em 1933 começou a perseguição sistemática dos judeus. As leis de Nürnberg proibiam qualquer atividade de judeus em cargos públicos, inclusive na Igreja. Em 1937 a Igreja de Westfália aposentou o pastor Ehrenfeld. No dia 9 de novembro de 1938, na assim chamada "Kristallnacht", noite de pogrom organizado em todo território nacional, os nazistas destruíram também a sinagoga de Bochum, queimando-a. Na ausência de Dr. Ehrenfeld, destruíram o apartamento dele, jogando os móveis fora pela janela. Quando ele voltou, foi preso e deportado ao campo de concentração em Oranienburg. Devido às boas relações internacionais de Ehrenfeld, foi posto em liberdade e autorizado a emigrar para Inglaterra. Em 1947 ele voltou para a Alemanha, onde a Igreja de Westfália o incumbiu com atividades no campo das relações públicas. Faleceu em 1958 em Heidelberg. Uma história vergonhosa!

Voltando ao currículo de Bonhoeffer, cabe-nos mencionar:

1939, ele aceitou um convite para dar preleções em N.Y. a fim de evitar o serviço militar na Alemanha, mas quando tudo indica o começo de uma guerra contra a Polônia, Bonhoeffer volta à Alemanha, para estar perto dos acontecimentos. Ele continua organizando "Sammelvikariate", cursos teológicos intensivos para o treinamento de pastores, atividade proibida em 1940.

1940, Bonhoeffer trabalha para a "Contra-Inteligência do Exército", que de fato conspirou contra Hitler (Almirante Canaris).

5.4.1943, foi o dia de sua prisão, motivada por suas tendências pacifistas (Berlin-Tegel).

20.7.1944,atentado contra Hitler; prisão dos autores e inspiradores; certos documentos envolvem Bonhoeffer na conspiração, inclusive na alta traição, crimes normalmente castigados com a pena capital.

8. 10. 1944, transferência para a prisão do SNI em Berlim. O Tribunal Popular de Freisler começa a liquidar cerca de 5 mil pessoas culpadas ou suspeitas. Bonhoeffer é transferido ao campo de concentração de Buchenwald

8.4.1945, chegada no Campo de Concentração Flossenbürg; Bonhoeffer é enforcado, com 39 anos de idade.

Dia 30.4.1945, Hitler suicidou-se e logo depois, dia 8.5.1945, ocorre a capitulação.


O papel teológico de Dietrich Bonhoeffer

Em primeiro lugar: em meu entendimento a teologia de Bonhoeffer dá uma impressão bastante contraditória, pelo menos pode-se constatar duas fases radicalmente distintas uma da outra:

O primeiro período está marcado por uma teologia muito conservadora, mas há exceções. Como milhares de outros teólogos protestantes, ele pôde dizer que a "ética é uma coisa do sangue e da história". Partindo de uma posição nacional-conservadora, ele não hesitou em distinguir entre uma "ética alemã, uma ética francesa e uma ética americana." Negou a existência de uma ética geral para todos os homens do mundo. Reconhece apenas uma ética utilitarista, dizendo: "Estou pronto para proteger meu irmão, minha mãe, meu povo, apesar de que estou completamente ciente de que isso seja possível apenas com derramamento de sangue. Mas o amor à pátria santificará o assassinato e a guerra." - Passo a passo, porém, o jovem teólogo Bonhoeffer, que em 1928, durante seu vicariado em Barcelona, fala assim, transforma-se em um cristão que, no púlpito como na cátedra, aprende a fazer uso da teologia, sem que esta disciplina seja a norma normans para sua existência perante Deus e os homens. Ser relacionado a Cristo torna-se mais importante para Bonhoeffer do que ser alemão.

Num segundo período Bonhoeffer se destaca por uma Teologia de caráter libertador e existencialista. A partir de então ele defende uma ética ecumênica de paz. Pouco a pouco o cristão Bonhoeffer evoluiu para um personagem contemporâneo, assumindo a responsabilidade do cristão emancipado para com a sociedade exterior e para com o mundo que o cercava (cf. Karl Martin, Ich miichte glauben lernen, Wandlungsprozesse in der Biographie Dietrich Bonhoeffers, Dtsch. Pfarrerblatt 5/2005). E na prisão, nos 18 meses de solidão, ele começa a descobrir o cristão maduro ("mündig"), que alcançou sua maioridade como pessoa e sua autonomia como ser humano que - libertado pelo evangelho - responde apenas ao Senhor.

Bonhoeffer descobriu que o mundo estava cheio de tais pessoas de maioridade, e muitas vezes pessoas que careciam daquela religiosidade que os padres e pastores durante quase dois mil anos defendiam como essencial para a salvação (eterna). Vis-à-vis desta realidade, Bonhoeffer deduziu que seria adequado e necessário alcançar esta gente que carecia da religiosidade "clássica" com uma proclamação não-religiosa da palavra de Deus ("nichtreligióse Verkündigung"). Sua leitura da Bíblia tornou-se diferente daquela praticada anteriormente. Agora as palavras bíblicas revelam a realidade em que ele se encontra, e não narra mais coisas e assuntos de tempos passados. "Águas passadas não movem moinhos", se diz. Trata-se justamente da leitura descoberta novamente pela "Teologia de Ubertação". Boff antecipado!

Nossa abordagem do homem moderno e emancipado deve ter um caráter não-religioso, porque Deus quer encontrar o homem de maioridade não apenas em seus sonhos ou desejos relacionados com suas eventuais idéias religiosas dirigidas aos aspectos que possa ter no além desta vida, mas Ele quer encontrar o homem bem no meio de sua vida de dia a dia, neste mundo, nesta realidade, nesta vida.

Bonhoeffer recusa aquele tipo de sermão que primeiro tenta comprovar o abandono do ouvinte para depois consolar o pobre pecador perdido com a salvação por Cristo.

Muito ao contrário, Bonhoeffer tem que experimentar, ele mesmo, que ele fica no presídio sem ajuda, sem salvação - etsi Deus non daretur - como se Deus não existisse, passando pela mesma experiência de Jesus na paixão, na cruz, na hora amarga da morte: "Eli, Eli, lama asabtani?" Na pessoa de Jesus ele reconhece Deus sem poder, sofrendo e ainda cheio de misericórdia junto aos outros. Assim Bonhoeffer percebe: Deus não ajuda com aquela omnipotentia (petrificada na dogmática), mas por meio de seu sofrimento.

Deus encontra-se mais próximo do homem secularizado do que do homo religiosus, que com sua religiosidade procura disfarçar sua falta de fé ou de confiança em Deus.

Jesus é o "homem para os outros", e não um objeto para uma vida religiosa no coração do crente ("religiöses Innenleben"), nem um objeto para ser celebrado nos ritos da Igreja. Por isso, também a própria Igreja só pode ser „Igreja para os outros".

Nos 10 anos decorridos entre a tomada do poder por Hitler e a detenção de Bonhoeffer, este, passo a passo, chegou a uma ética bem diferente da ética clássica protestante:

Não é licito que a igreja se aparte, segregue ou se isole dos acontecimentos políticos. No momento em que o Estado combate ou tenta liquidar valores fundamentais da ética, dos direitos gerais do homem, a Igreja tem que resistir, também como Igreja. Em situações extremas, a resistência cabe ao individuo, ao cristão individual, ao membro do corpo de Cristo.

Para a grande maioria dos pastores, esta maneira de intrometer-se em assuntos públicos, em questões políticas, era uma coisa muito estranha e até ilícita, proibida (Lembro-me das acusações contra Niemõller, depois da guerra! E também da posição do Sínodo Riograndense, durante o movimento da "Legalidade" nos tempos de Brizola, em 1961, quando visitei o presidente Gottschald exigindo que a Igreja lançasse uma palavra de apoio).

A raiz histórica dessa forma de separar os dois "remos", tão característica do protestantismo alemão antes e depois de 1933 - aqui a Igreja, lá o Estado , encontra-se no passado do luteranismo alemão. Acontece que a ética luterana concede ao Estado uma relativa "Eigengesetzlichkeit", quer dizer, o Estado tem que seguir as suas próprias leis sui generis, por exemplo quanto ao 511 mandamento: "Não matarásf (Lembro-me que, quando guri, possuía um catecismo no qual se encontrava a nota de rodapé: "Não vale na guerra" ("Gilt im Kriege nicht!").

Da mesma maneira, teólogos luteranos, que de um lado rejeitaram o afastamento de seus colegas pastores de origem israelita do ministério eclesiástico, do outro lado, justificaram as medidas do Estado nazista contra os judeus como defesa legítima da "pureza da raça germânico-ariana". Diz o professor Künneth: "Deve-se conceder ao Estado nacional o direito de considerar a questão do judeu como problema da nova estruturação da sociedade. A Igreja deve devidamente apoiar tal conscientização com referência ao caráter da peculiaridade étnica alemã em conformidade com a doutrina sobre a ordem de Deus, criador da raça e da etnia" (Walter Künneth, "Das Judenproblem und die Kirche", 1933).

Deve-se considerar que, na hora do afastamento de pastores por "defeito de raça", havia na "Associação de Pastores" (Pfarrernotbund) 6 mil pastores contra a "lei ariana". Bonhoeffer, todavia, achou razão para criticar a atitude da "Igreja Confessante": Esta se preocupava mais com coisas internas e teológicas do que com questões existenciais e politicas urgentíssimas: a "lei ariana", o racismo que explodiu na "Kristallnacht", em 1938, a introdução da pérfida lei que obrigava cada cidadão judeu a visivelmente portar na roupa a estrela de Davi, sinal da classificação de inimigo do povo alemão". Naquela ocasião Bonhoeffer disse com plena razão: "Só aquele que grita em defesa dos judeus tem o direito de entoar cânticos gregorianos!"

A „outra Igreja" - Annemarie Rübens (1900 - 1991)

Annemarie nasceu na Argentina e veio como menina com seus pais comerciantes à Alemanha. Ela estudou Teologia com o famoso professor Karl Barth. Como pastora col. (assistente) ela trabalhou na cidade de Colônia. O pastor orientador dela, Georg Fritze,foi ideológicamente um antigo socialdemocráta. No ano de 1933, quando o Hitler assumiu o comando da nação, Annemarie entrou em conflito com a comunidade evangélica de Colônia e com a direção da Igreja de Renânia

O motivo do conflito foi um culto vespertino em abril de 1933. Durante este culto, numa prece incluida na liturgia ela pediu Deus „pela vida e pelo futuro de nosso povo, por sua liberdade e por sua paz, especialment por todos os membros de nosso povo que estão sendo injustamente perseguidos" - obviamente os judeus, cada vez mais oprimidos pelos novos donos do país.

Em seu sermão Annemarie Rübens falou sobre a fráse de Jesus „Eu vim para pôr fogo na terra, e como eu gostaria que já estivesse queimando!" (Luc. 12,49) Com admirável coragem a jovem pastora disse, entre outras observações:

„Não é assim que Deus criou os povos e raças com suas diferêncas ? ... Sem dúvida somos permitidos de amar nosso sangue, nossa raça, nosso povo ... Nem o ódio contra compatrícios dissidentes, nem o ódio contra compatrícios de sangue-diferente, nem o ódio contra povos estrangeiros corresponde ao comportamenmto cristão ... O saudável pastor Blumhardt disse uma vez: „Temos que ter precaução perante um entusiasmo nacionalista; não somos apenas alemães , somos filhos de Deus!" A onda de ódio contra os considadãos livres de qualquer entiusiasmo nacionalista aumenta cada dia. Igualmente aumenta a onda de ódio contra os nossos compatrícios judaicos ... Que é que fazemos? Que é que deveriamos fazer?"

A pastora corajosa logo recebia um aviso claro da parte de um membro do presbitério, Franz Hagemann, que era promotor público na Justiça de Colônia. Ele ameaçou: „Mais um sermão deste tipo e você vai ser presa instantâneamente!"

As consequencias do „comportamento escandaloso" da jovem pastora colaboradora não demorraram:
18.7.1933 demissão pelo presbiterio da Paróoquia
15.9.1933 demissão pela Diretoria Eclesiástica Regional
17.11,1933 anulação da candidatura para um pastorado na Provincia de Renânia

Um dia depois do sermão da Annemarie sobre o escándalo da perseguição dos judeus na Alemanha, o superintendente geral pastor-presidente) Otto Dibelius em Berlin (que há tempo havia-se declarado „anti-semita") fez uma palestra pela radio-transmissora-nacional (Kurzwellensender des Deutschen Rundfunks) concedida pelo ministro de propaganda do Reino, Joseph Goebbels, e elogiou o „Terceiro Reino" de Hitler como „vencedor do socialismo e bolchevismo", apel ando ao povo alemão de ter confiança no „Führer" (Líder) e em sua política da „Entjudung" - „desjudificação" da Alemanha. (O termo de „desjudificação" - expressão malíssima e feiíssima - lembra de algo como „fumigação ...)

Para Hitler e Goebbels não havia dúvida alguma de que „no assunto dos judeus" eles podiam contar com a Igreja. (H. Prien, Der Verrat der Evangelischen Kirche an den Juden - Das Beispiel Köln) Como disse o pastor presidentr Ernst Stoltenhoff, (Evang. Kirche im Rheinland): „A Igreja não vai proteger ninguem que no contexto da „questão dos judeus" toma parte em prol dos judeus de maneira indifferenciada."

Quando Hermann Goering, em setembro de 1935, na ocasião do „Nürnberger „Reichsparteitag der Freiheit" (o „congresso da liberdade", concentração anual maior do partido nazista) proclamou as leis raciais de Nueremberg („Nürnberger Rassengesetze") ele disse: „A partir de agora a água do batismal eclesiástico não vale mais. Agora o que conta é o ságue ariano!" - Da gilt nicht mehr kirchliches Taufwasser. Ab jetzt zählt arisches Blut.

„Não é mais possível o judeu transformar-se em alemão pelo batismo. Por isso o judeu não tem mais lugar no meio da vida comunitária da Igreja Evangélica Alemã", disse o pastor Karl Köhler de Colônia.

Agrega-se desta maneira à traição dos judeus pela igreja a traição do sacramento do batismo pela Igreja Evangélica - „zum verrat der Kirche an den Juden gesellt sich von nun an der Verrat der evangelischen Kirche am Sakrament der Taufe." (Prien)

Annemarie Rübens escolheu o camingo da emigração, num primeiro passo rumo à Holânda, mais tarde, em 1936, depois do falecimento do irmão, ela viajou para Uruguay, onde, na Colônia Valdense, ela montou um asilo para crianças de antifacistas exilados da Europa, mais tarde inclusive para os filhos de presos políticos de Uruguay mesmo.

Falando da „outra Igreja", a gente deve lembrar também do „Propst" Heinrich Grüber, que inclusive foi preso político no campo de concentração de Dachau, porque repetidamente havia protestado.contra as deportações de judeus. Grüber foi encarregado como responsável do programa eclesiástico de assistência aos judeus batizados e consequentemente membros de comunidades evangélicas, que - devido às leis arianas de Nueremberg - tinham que ser considerados e tratados como judeus (como se pode ler num decreto na época emitido pela direção da Igreja Evangélica).

A assim chamada „Hilfsstelle Grüber" ou o „Büro Pfarrer Grüber" logo instalou dependências nas diferentes provincias, e tudo isso com o apoio formal da „Geheime Staatspolizei" - Gestapo - (o SNI nazista). Dessa ,maneira era possível, que ca. de 1.700 pessoas de descendencia judáica conseguiram de emigrar legalmente e de escapar do holocaust, da máquina de exterminação instalada pela SS poucos anos depois. Não demorrou muito até que a Gestapo fechou o „Büro Pfarrer Grüber" e não deu mais saída para os judeus que quase todos foram assassinados. Vergonha permanente para cada cidadão dessa nação

Conforme uma estatística „Juden in Deutschland" - Judeus na Alemanhs - publicada num prestigioso periódico protestante (Christl. Welt Juni 1932) era isto o respectivo quadro:

500.000 Judeus sem qualquer mistura e de religião mosáica
50.000 Judeus sem mistura e de religião „não-mosáica"
200.000 „Semijudeus" (mestiços „de primeiro gráu")
100.000 „mestiços judaicos-arianos" 2. gráu („Quartojudeus")
850.000 em total


CONCLUSÃO

Quando, em 1953, no lugar onde funcionou o horrível campo de concentração de Flossenbürg, inaugurou-se uma placa em memória de Bonhoeffer, que foi enforcado lá no dia 9 de abril de 1945, com 39 anos, o bispo da Igreja Evangélica Luterana de Bavária, Hans Meiser, não participou, alegando que Bonhoeffer não teria sido um mártir cristão, mas apenas um mártir político.

Venho de Nürnberg, cidade situada ao norte da Baviera, duas horas distante de Flossenbürg. Visitei o ex-campo de concentração, com vergonha e tristeza. Ocorre, porém, que não me incomodou a questão sofisticada, se Dietrich Bonhoeffer era um mártir cristão ou apenas um mártir político. O que, de fato, profundamente me perturbou, foram as questões:

• Como é possível que um ser humano possa cometer tamanhos erros e crimes como aqueles perpetuados no "Terceiro Reich"?

• Existe a possibilidade de que tais crimes se repitam - em qualquer lugar do mundo?

• Como foi possível que o povo da Reforma (e da Contra-Reforma) se deixou atrair por uma ideologia monstruosa como a nazista?

• Como se explica que os cristãos na Alemanha tenham colaborado com este regime ou pelo menos tenham permanecido calados?

• Pode-se desculpar a atitude dos cristãos com a exigência ou necessidade de "cumprir ordens"?


REFERÊNCIAS

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